10 de outubro de 2008

Conto - Meu nome é Aramis

Em todas as tradições antigas existe a lenda de que algo pode te amaldiçoar. Ou abençoar, dependendo da sua sorte. Ou os dois, já que muitos deuses são bem humorados quando se trata do destino dos outros. Lembra da Bela Adormecida? Claro, se ferrou dormindo um tempão, mas tinha três coisas maravilhosas que aconteceriam com ela sempre, graças as bençãos das fadas madrinhas.
Meus pais não me arranjaram fadas madrinhas, mas até pouco tempo atrás eu dormia bastante. Isso porque eu me chamo Aramis e, graças a esse nome, não consigo tomar um rumo na vida. É sério! Qualquer trabalho que eu tente não se encaixa com o nome de um dos famosos 3 mosqueteiros, do escritor Alexandre Duimas... Dummas... Dimasss... EU não sei francês! Esse nome poderia, pelo menos, ter me dado poderes especiais para aprender frânces, mas nem isso! Até porque só fui saber do escritor já na escola, pois meu pai escolheu do nome de um anúncio bonito que ele viu em alguma loja do centro.
O suplício comoçou cedo, na escola. Aramis é um nome horroroso porque nem é feio o suficiente para que as pessoas te sacaneiem com ele, nem bonito o suficiente para as meninas dizerem "que diferente, adorei, que sexy, uau, eu sempre quis um Aramis pra". Fora uma ou outra piadinha: ei, a fazendo do meu pai tá precisando de novos Aramis pra evitar que o gado fuja. A isso se seguia o meu complemento, dizendo que a mãe do cara era uma vaca difícil de ser domada. E, por último, vinha a minha surra.
A carreira estudantil foi curta, até o momento que um professor achou graça do meu nome etc, etc, não gostei, etc, etc, briga, etc, etc, apanhei, etc, etc, processo jurídico, etc, etc, perdi, etc, etc, fui expulso da faculdade. A busca de trabalho foi bastante infrutífera. Vendedor não dava. Mecânica eu não sabia. Matemática sou péssimo. Faxineiro eu só bagunçava os lugares. Nada dava. Foi aí que eu desisti mesmo. Patético, acordando, olhando o apartamento ficando cada vez menor devido a bagunça acumulada, fui me atormentando com a idéia de que o suicídio era o único caminho viável. Mas até nisso falhei miseravelmente! Nas três vezes, aliás.
Isso só passou quando conheci a minha esposa, salvadora, que não só apareceu com todo o carinho que um homem precisa, mas com um sobrenome que adotei prontamente, pulando por cima da tradição do esposo passar pra frente seu sobrenome. Ela ficou constrangida, achando muito simpático o meu gesto, mas questionava o resultado. Meu argumento supremo era que, perante o cadafalso negro da maldição dos nomes, o melhor era pular dentro dele e abraçar de vez essas ironias da vida, acabando assim com todo o efeito negativo disto.
Hoje sou um dono de mercearia razoavelmente bem sucedido, com um terceiro filho já na barriga da mãe pronto para ser batizado de Rafael, Pedro, José, Henrique, Antônio, no máximo dos máximos um Samuel . Precisando de ajuda, todo mundo no bairro sabe que é só me chamar, porque eu aguento a barra de todo mundo que precisa. Chega aqui precisando de ajuda, os vizinhos vão te falar que é só falar com o dono da venda, o Seu Aramis de Ferro.

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